Fergumar é condenada por trabalho escravo

Servidão por dívida, jornada exaustiva, condições degradantes e aliciamento foram irregularidades encontradas em fazenda da empresa

Em 2012, o Ministério Público do Trabalho, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Tocantins (SRTE-TO) e a Polícia Federal resgataram 56 pessoas encontradas em situações análogas a de escravo na Fazenda Água Amarela, em Araguatins (TO).

A fazenda, de propriedade da siderúrgica Fergumar (Ferro Gusa do Maranhão Ltda.), era explorada por uma terceirizada – RPC Energética, que mantinha contrato de compra e venda exclusivo com a Fergumar, destinando todo o material produzido para a própria siderúrgica.

 

Empresa de fachada:

Em depoimento ao MPT, o representante da Fergumar afirmou que sua empresa era responsável pelo controle da parte administrativa, das condições de trabalho e da observância da legislação, o que confirmou a suspeita do MPT de que a relação entre as empresas configurava terceirização ilícita da atividade-fim, além de falsidade ideológica do contrato de compra e venda, já que a terceirizada prestava serviços exclusivos à Fergumar.

A investigação se tornou ainda mais complexa ao constatar que a RPC Energética é uma empresa de fachada que tinha um ‘laranja’ como proprietário. Adenildo da Cruz Rocha, único sócio da empresa, era, na verdade, empregado da Reflorestar Ltda.

Adenildo possui ensino fundamental e, três dias após a criação da empresa, outorgou procuração para Paulo Alexandre Bernardes da Silva administrar e representar a RPC Energética. O pai de Paulo é empregado da Fergumar. Paulo também foi sócio da empresa Reflorestar, junto com André Luiz de Castro Abreu. Ambos deixaram a sociedade, apesar de Paulo da Silva atuar na condição de procurador.

André Abreu é o proprietário da empresa Plant Reflorestamento Ltda., responsável pelo fornecimento de caminhões e implementos que transportavam carvão até a Fergumar. Na época, era servidor do Ministério Público do Trabalho, atuando como técnico administrativo, após aprovação em Concurso Público para o Ministério Público da União. Foi exonerado em janeiro de 2014.

Segundo o juiz Leador Machado, responsável pelo julgamento do caso, há “uma completa confusão entre essas empresas e os réus”.

Relação entre empresas
Relação entre empresas

 


A fiscalização:

Em diligência realizada na data de 24 de agosto de 2012, equipes do Ministério Público do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego e do Departamento de Polícia Federal resgataram 56 empregados, inclusive um menor de idade, em situações análogas a de escravidão.

A força-tarefa identificou que os trabalhadores foram aliciados a quase dois mil quilômetros de distância, com a promessa de um salário mínimo de R$ 1.200, podendo ser ainda maior, de acordo com a produção.

No entanto, ao chegar à fazenda, a realidade era bem diversa. Os trabalhadores foram obrigados a pagar a despesa de transporte no valor de R$ 350 cada. Durante o trabalho, também eram obrigados a pagar os alimentos que consumiam, bem como os equipamentos utilizados, caracterizando a chamada servidão por dívida.

Nos alojamentos foram constatadas condições degradantes. As necessidades fisiológicas eram feitas no mato. O único banheiro existente não possuía vaso sanitário adequado e o chuveiro não tinha porta, sendo usado por homens, mulheres e menores, sem nenhuma privacidade. Não havia reposição de água potável, tampouco água para higiene pessoal. A moradia era coletiva e os trabalhadores dormiam em colchonetes finos ou em redes.

A jornada era exaustiva, iniciando-se às 4h da manhã e finalizando apenas as 17h, com uma única pausa de 15 minutos. O transporte era feito de forma irregular, sem nenhum tipo de proteção. As condições precárias, inclusive, resultaram em picadas de escorpião, sem medicamentos ou primeiros socorros.

 

Ação Civil Pública:

Diante da situação encontrada, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou Ação Civil Pública, solicitando o ajustamento da conduta de 24 itens por parte dos réus e o pagamento de indenização por dano moral coletivo.

Os procuradores Lincoln Roberto Nobrega, Tiago Muniz Cavalcante e Rodrigo Bezerra Martins afirmam que “o caso é mais uma situação caracterizadora da chamada escravidão contemporânea, em que trabalhadores são submetidos a condições degradantes e jornadas exaustivas”.

A Justiça do Trabalho de Araguaína (TO) julgou o caso e estabeleceu os valores devidos a título de dano moral coletivo, sendo R$ 4 milhões pela Fergumar, R$ 500 mil para André Luiz de Castro Abreu e R$ 250 mil para Paulo Alexandre Bernardes Silva Júnior.

Segundo o magistrado Leador Machado, “a responsabilidade da Fergumar agrava-se ante o fato de que ela era beneficiária econômica direta da produção de carvão feita em condições análogas a de escravidão e por haver indícios de reincidência no mesmo crime”.

Ele pontua que a responsabilidade de André Luiz Castro de Abreu também é agravada “pelas circunstâncias de ser servidor público, atuando exatamente no órgão encarregado de coibir esse tipo de atividade, tendo todas as condições de evitar o cometimento desses crimes, mas, ao contrário, deles se beneficiava e fazia prática corriqueira”, afirma o juiz.

O magistrado definiu que os valores das indenizações serão destinados para a Comissão Pastoral da Terra da Igreja Católica, sendo metade para a Comissão que atua em Araguaína (TO) e metade para a Comissão Nacional.

A empresa Fergumar opôs Embargos de Declaração contra a Decisão Judicial, alegando omissão e erro material.

Processo nº 0001349-67.2016.5.10.0812

 

Tags: mpt, Trabalho Escravo, Fergumar

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