MPT no Distrito Federal promove diálogo e reflexões no Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo
Debate abordou diferentes aspectos da escravidão contemporânea e contou com a participação da sociedade civil e de representantes de órgãos e entidades
Na tarde de ontem (27/1), o Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF) foi palco de Evento alusivo ao Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, reunindo autoridades, representantes de entidades e movimentos sociais, sindicalistas, servidores públicos, pesquisadores e interessados na temática para debate e reflexões.
Ao iniciar os trabalhos, a procuradora-chefa Paula de Ávila e Silva Porto Nunes destacou a importância do diálogo aprofundado sobre a escravidão contemporânea, trazendo luz aos dados da Operação Resgate IV, a maior força-tarefa de combate ao trabalho escravo já realizada no Brasil que retirou, em 2024, 593 trabalhadores desta condição.
“No Brasil, a escravidão deixou raízes profundas que refletem até os dias atuais. Pessoas negras ainda são a minoria em espaços de poder e em universidades, o racismo estrutural é uma realidade da nossa sociedade. Além disso, opressões de gênero decorrem, também, de hábitos históricos coloniais como o da criadagem, perpetuando práticas como o trabalho doméstico contemporâneo. É com muita alegria que o MPT abre suas portas e recebe todas e todos para que a sociedade debruce seu olhar para essa situação”, afirmou a procuradora-chefa Paula de Ávila.
Depoimentos
A procuradora Lys Sobral Cardoso, membra da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, realçou a importância do fortalecimento de laços no combate ao trabalho escravo. “Apesar de os desafios enfrentados, em especial no combate ao trabalho escravo doméstico, grande parte dos avanços é resultado de um modelo de união de instituições, que trabalham juntas em prol da erradicação desse problema”, declarou.
Na mesma direção, o auditor-fiscal do Trabalho Mauro Rodrigues de Souza, da Secretaria de Inspeção de Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, destacou que um dos principais objetivos é o da evolução da rede de proteção já existente contra essa chaga social, unindo grupos de diferentes instituições para o combate mais efetivo.
O advogado Artur Antônio dos Santos Araújo, ativista do Movimento Negro, demonstrou a importância de ouvir todas as vozes do incluídas na agenda. “Estou representando a sociedade civil, então sabemos o papel crucial nesse processo de denúncia e acolhida das vítimas, de buscar o desenvolvimento da conscientização e da humanização, características que interferem diretamente na vida dessas pessoas.”
Mesa “Exploração e Escravidão Contemporânea: Desafios e Caminhos para a Dignidade do Trabalho”
O procurador Thiago Lopes de Castro, coordenador do Grupo de Trabalho “Trabalho Doméstico”, abriu os trabalhos da Mesa abordando sobre o caso Madalena Gordiano – mantida em condições análogas à escravidão por 38 anos e resgatada em 28 de novembro de 2020 – e seus desdobramentos na mídia nacional, que deram maior destaque a essa realidade vivenciada por diversas pessoas.
O procurador diz que, apesar de o aumento recente de resgates, 119 nos últimos sete anos, “frente ao tamanho dessa categoria de trabalhadores, é necessário um maior enfoque”. Detalhou, também, a responsabilização trabalhista, destacando a assistência integral promovida às vítimas no pós-resgate.
A integrante da Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas, Valdirene Boaventura, contou seu depoimento de vida, desde quando começou no trabalho doméstico aos oito anos de idade, emocionando os presentes. Valdirene ressaltou a necessidade de respeito e garantia dos direitos das trabalhadoras domésticas, demonstrando como a categoria sofre de muitos preconceitos e da invisibilidade da sociedade em geral.
O ouvidor-geral da Defensoria Pública da União Gleidson Renato Martins Dias apontou desdobramentos jurídicos sobre a temática. Brenna Villanova, pesquisadora do Grupo de Pesquisa “Trabalho e Teoria Social” da Universidade de Brasília trouxe reflexão sobre “a relação do trabalho escravo com trabalhadores de aplicativos”, ponderando sobre o trabalho por plataformas e como a escravidão se adapta às novas formas de trabalho. “Está em pauta a coisificação da pessoa humana”, pontuou o auditor-fiscal Mauro de Souza.
Painel de Discussão “A Realidade do Trabalho Escravo no Brasil”
A juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região Maria José Rigotti, coordenadora do Subcomitê de Erradicação do Trabalho em Condição Análoga à Escravidão, Tráfico de Pessoas e Proteção ao Trabalho das Pessoas Imigrantes, começou essa etapa indicando que a manutenção de privilégios e desigualdades sociais no Brasil é um dos principais motivos pelos quais essa realidade ainda persiste.
“Em nosso País, é considerado normal que exista quartos de empregadas sem janelas e com medidas minúsculas. 70% dessa categoria trabalha na informalidade, estando desprotegida de benefícios sociais e previdenciários, sem mencionar as diaristas. Há uma normalização dessa precarização em nossa sociedade”, disse a magistrada.
Provocando o debate sobre o que se é entendido como trabalho digno e decente, a coordenadora geral de Ações Afirmativas no Trabalho Moema Carvalho questionou “o que pensamos em projeto de Nação quando abordamos o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo?”, citando fatos como a categoria de trabalho doméstico ter sido considerada parte de serviços essenciais durante a pandemia de Covid-19.
O procurador-chefe da Procuradoria Regional da República da 1ª Região, José Robalinho Cavalcanti, afirmou que o Ministério Público Federal tem atuado juntamente com outras entidades em trabalhos de campo, oportunidade em que trabalhadores são resgatados em regiões rurais e urbanas, “realidades absolutamente arcaicas e impossíveis de serem mantidas no mundo moderno”.
“A ideia da relação de trabalho humana ainda não foi integrada em nosso País, que tem a escravidão em sua história e marcas do racismo estrutural reverberando nos dias atuais. A dignidade humana não tem regionalização, não é possível entrar em discussões sobre padrões escravos serem considerados ‘normais’ em certas regiões. É uma luta em andamento, não vencemos nem mesmo em nossos padrões básicos de jurisprudência”, alertou o procurador José Robalinho.
A representante do Projeto Vez e Voz, Helena Peixinho, detalhou as ações do Projeto, que objetiva educar a população, promovendo aulas e oficinas sobre o tráfico de pessoas. Helena ressaltou que esses aliciamentos estão presentes, também, em plataformas digitais e que a prevenção é o método mais eficaz de combate ao tráfico de pessoas.
O cineasta Renato Barbieri, diretor do documentário “Servidão”, destrinchou sua prática no cinema social de impacto, dizendo que “em uma sociedade que valoriza a forma, pouco se dá atenção ao conteúdo. A escravidão e o racismo são processos históricos que foram construídos e são mantidos, temos que lembrar dessa história e entender que a sociedade ensina o ser humano a ser racista, mas não ensina ações horizontais de empatia”.
Servidão (2024) direção Renato Barbeiri
Ao final do Painel, o público assistiu ao documentário “Servidão”, filme que aborda o trabalho escravo contemporâneo, com foco na Amazônia brasileira. A obra está disponível para aluguel ou compra por meio do serviço de streaming YouTube Filmes.
Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo
O Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo foi criado em homenagem aos auditores-fiscais do Trabalho Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves e ao motorista Aílton Pereira de Oliveira, que foram assassinados em Unaí (MG), no dia 28 de janeiro de 2004, quando investigavam denúncias de trabalho escravo em uma das fazendas de Norberto Mânica. O episódio ficou conhecido como a chacina de Unaí.
O Evento promovido pelo Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal e Tocantins teve o apoio do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Proteção ao Trabalho do Imigrante da Justiça do Trabalho, da Escolha Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, do Movimento Negro Unificado, do Nosso Coletivo Negro e do Sistema de Inspeção do Trabalho.
As fotos do Evento podem ser conferidas no Flickr do MPT-DF/TO.